O INOMINÁVEL

O INOMINÁVEL

Clair Castilhos Coelho
22/6/2020

Hoje acordei e percebi que sou radicalmente arcaica. Já vinha desconfiando disso há algum tempo. Mas hoje identifiquei os sinais definitivos.

Essa quarentena compulsória faz pensar, aliás, há muito tempo para pensar! No meu caso, recordar. E comparar.

Uma das coisas que tenho observado nos últimos anos é o uso da bandeira verde e amarela para manifestações vulgares com finalidades duvidosas. Lembrei-me do tempo em que só se usava o símbolo nacional na semana da pátria e em situações específicas de celebração, luto ou grandes conquistas. Na semana da pátria a cerimônia de hastear e arriar a bandeira era sempre acompanhada do Hino Nacional e muita reverência. “No meu tempo” (nós arcaicos/as usamos muito essa expressão!) dia sete de setembro tinha o desfile das escolas. As crianças agitavam bandeirinhas que levavam nas mãos e as que tinham bicicleta enfeitavam os aros das rodas com papel crepom verde e amarelo. Não lembro de ninguém usando a bandeira como capa tipo o Superman, mas com a cara maligna do Lex Luthor. Também nunca vi o “verde pendão da esperança” tremulando freneticamente, em círculo, com velocidade estonteante na tribuna do Senado, conduzido pelas mãos de uma insólita e vociferante dama(?) de preto. É, os tempos são outros. Ainda no capítulo “lembranças da quarentena”, no meu tempo professoras/es não apanhavam de alunos/as e muito menos os pais iam à escola apoiar a agressão. Naquela época longínqua, se isso acontecesse eles iam até a escola se desculpar e o/a “mal-educado” era chamado/a a devida atenção na escola e em casa. No dia do professor (era Dia do Professor embora 99% fossem Professoras) as mesmas eram presenteadas com flores, pratos de louça, perfumes e cartões. Amorosa deferência e consideração. Servidor Público então, era uma distinção sem igual! Todo o dia 28 de outubro o presidente da República fazia um pronunciamento homenageando-os e anunciando aumento nos vencimentos. Funcionário do Banco do Brasil era a glória, sem palavras! Servir ao Estado, trabalhar na “repartição” era motivo de grande orgulho. Muito longe dos, hoje chamados de “parasitas”, culpados pelas mazelas econômicas do país, os párias da fúria neoliberal e do Estado Mínimo. Mas, isso é compreensível, considerando que hoje parece que o mercado é a grande panaceia e substitui o Estado. Parece ser uma entidade com sentimentos, ora nervoso, ora irritado, ora apreensivo, enquanto as bolsas e as moedas oscilam.

Lembro que no meu tempo existia uma categoria chamada de trabalhador, operário, proletário ou, simplesmente, empregado. Era a classe trabalhadora! Essa sumiu! Hoje são colaboradores, associados, microempreendedores, entregadores de aplicativos, entre outros. Os patrões são criaturas invisíveis com denominação em inglês (mais chique e mais hermético), são os CEO – Chief Executive Officer. A comunicação era lenta e difícil razão pela qual era muito mais econômica e contida. Uma carta, ou qualquer outra mensagem escrita, não era uma coisa rápida, redigida de forma displicente, maledicente e de linguagem pobre e trôpega. Ao contrário, primavam pela elegância na forma e no conteúdo. Algumas eram até perfumadas. Ah! Tempos aqueles! Quando a forma era linguagem oral, todos procuravam caprichar e “fazer bonito” (havia aqueles maçantes que se achavam a encarnação do Rui Barbosa, aí era preciso paciência).

É claro que existiam muitos analfabetos, os semialfabetizados, que falavam, escreviam e se expressavam com dificuldade, mas por ignorância, carência de escolaridade. Não era intencional e nem com fúria para ofender os outros.

Existem, nessas minhas lembranças de quarentena uma infinidade de fatos, “causos” e passagens inesquecíveis. Parece-me perigoso ficar presa a essas reminiscências. Quando o passado assoma em nossos pensamentos, como está longe, parece sempre melhor. Há uma opacidade crítica. É preciso filtrar as coisas.

Refletindo sobre isso tudo, vejo que apesar de arcaica, meu tempo é hoje. É aqui, Brasil 2020!

Um país que vive e procura resistir a uma crise sanitária de proporções inimagináveis para uma simples “gripezinha”. Um país com um ministério de “notáveis” que desconhecem suas pastas ou as odeiam e desqualificam. Não sei se para atender ao chefe ou para reverenciar o capital predador e sem limites que destrói a natureza, desmata, envenena e empesta tudo que toca. Um país que perde a sua independência e soberania e agradece aos que o roubam em nome da modernidade e do progresso que “generosamente” nos doam. Um país em que seu povo sofre, morre e se desfaz nas piores condições de vida, miséria, iniquidade e violência. Um país onde grande parte de seus cidadãos e cidadãs tem as mentes, a razão e os sentimentos assassinados por empresários da fé (alheia) bestializados por gospel e sertanejos universitários. Um país que os mercadores buscam destruir toda a herança cultural e a oferecem como moeda de troca por poder e influência política.

Quando penso nisso tudo, nessa gestação de horror e tragédia tento entender o que ocorre. Nesses tempos de terra plana, criacionismo, abstenção sexual, criminalização dos corpos e do saber, fica difícil diagnosticar o que acontece conosco. Caio na tentação de aderir à ficção e às teorias conspiratórias. Imaginar que estamos dominados pelos reptilianos instalados no palácio do planalto bebendo o sangue de nossa nacionalidade acarinhados e acolhidos, por “ele”, o INOMINÁVEL!

 

NOTAS:

Inominável – Adjetivo de dois gêneros. Uso: pejorativo.
(…) a que não se quer dar nome por considerações de ordem estética ou lógica ou porque é demasiadamente abjeto, vil para ser nomeado; horroroso, péssimo.
In Dicionário Houaiss Eletrônico. SP: Editora Objetiva – Versão monousuário 3.0 – Junho de 2009.

Uma das teorias da conspiração mais difundidas diz respeito aos reptilianos: enormes répteis humanóides e metamorfos, advindos de uma civilização alienígena tão antiga quanto avançada. Sob disfarces humanos, adquiriram poder político e exercem controle sobre toda a sociedade humana, manipulando-a por baixo dos panos. Supostamente buscam implementar uma Nova Ordem Mundial onde poucos teriam o comando. Esses poucos seriam grandes e assustadores lagartos sugadores de sangue. In: A origem dos reptilianos: desmistificando a teoria da conspiração – https://www.hipercultura.com/reptilianos-origem-teoria-conspiracao/ 20/6/2020.

Publicado em 22 de junho de 2020, em Uncategorized. Adicione o link aos favoritos. 1 comentário.

  1. Maria Tereza Boaz

    Somos ambas arcaicas. Para mim é triste e difícil este mundo onde Inomináveis se apoderaram do inumano. Para onde vamos? Devemos ter esperanças de que um novo mundo é possível?

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