Arquivo mensal: agosto 2018

Discurso na cerimônia de outorga do título de Cidadã Catarinense

 

Excelentíssimo Sr. Presidente, srs. Membros da Mesa, srs. Deputados, sras. Deputadas, em especial excelentíssima deputada Ana Paula Lima, familiares, amigos e amigas presentes nesta cerimônia.

Ao iniciar este discurso quero dedicar o título que ora recebo a duas pessoas especiais. Ao meu marido, Alcides Rabelo Coelho, responsável pela minha vinda para SC e para a primeira amiga que tive aqui, in memoriam, a farmacêutica Aida Maria da Veiga Cascaes, que me acolheu, junto com sua família, quando, recém-casada, cheguei para trabalhar na Farmácia do Posto de Assistência Médica – PAM da Esteves Júnior. E o fez de forma solidária e afetiva, recebendo uma jovem colega chegada de outro Estado e que pouco conhecia deste lugar.

Nasci em Sant’Ana do Livramento, na fronteira oeste do Rio Grande do Sul. O que parece uma simples indicação de naturalidade é definitivo para uma cidadã da fronteira. Por trás dessa característica há toda uma forma e estilo de vida muito próprios, que caracterizam as pessoas daquela região. A mais importante parece-me que é a simplicidade com que se convive com pessoas de outro país, com outra língua, com hábitos e costumes diferenciados e… semelhantes. É um aprendizado com a diversidade, a solidariedade e o sentido internacionalista dos povos, a partir do cotidiano e do afeto de duas cidades do interior.

Nasci em 1945, final da segunda guerra mundial, fui adolescente e adulta jovem nos anos 60, vivi as transições e avanços que esse período trouxe para o século passado até nossos dias. Fui cristã, existencialista e comunista. Seguindo a trajetória dos estudantes da época, fiz faculdade em Porto Alegre, participei do movimento estudantil, contra a ditadura militar, formei-me na véspera do AI-5, e fui para São Paulo trabalhar sendo a primeira chefe da Farmácia do Hospital Heliópolis do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS.

Quando resolvi fazer especialização em Saúde Pública, na “Faculdade de Saúde Pública”, da Universidade de São Paulo – USP, em 1972, conheci Alcides Rabelo Coelho, médico, recém-formado pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, natural de SC que também fora fazer o mesmo curso. Ali estava meu futuro marido! Por importação amorosa aportei em Santa Catarina em 1973.

Minha vida nesse Estado começa em 1973 em Criciúma. Lá nasceu nossa primeira filha. Enfrentamos a catástrofe que foi a enchente de Tubarão, que atingiu grande parte da região Sul. Vivi na cidade mineira que só conhecia dos livros de Geografia. Na farmácia do INPS atendi muitos trabalhadores das minas de carvão. Vivi naquela atmosfera com cheiro de enxofre, onde as pessoas muitas vezes chamavam umas às outras de “amarelo da pirita” (naquele tempo não se falava em bullying). Em 1975 mudamos para Florianópolis. Aqui nasceram as outras duas filhas. Já se vão 45 anos. Aprendi a conhecer as particularidades desta terra. A diversidade econômica, a beleza dos mais variados ambientes e microclimas, o linguajar setecentista dos ilhéus, os pescadores, as rendeiras, o turismo, a rica culinária de frutos do mar, a indústria, o turismo, a agropecuária, as festas. O mar, a serra, os campos, as cidades.

Mas, também, a truculência dos “anos de chumbo”, a operação barriga verde, o incêndio criminoso da livraria Anita Garibaldi em abril de 1964. Mas, também a resistência. Nos anos 1970 o Movimento Feminino pela Anistia, e a memorável “Novembrada” em 30/11/1979 são exemplos marcantes.

As informações históricas levam a tempos remotos, com a chegada dos portugueses, a escravização dos indígenas, a importação dos negros africanos escravizados, a vinda dos açorianos. Depois foram os alemães, italianos, poloneses entre tantos outros. Essas diferentes culturas produziram formações sociais com hábitos, rituais, festas, comidas, danças, que resultaram numa grande multiplicidade de manifestações. O que, aliás, é do conhecimento de todos e todas. Mas, para quem chega é toda uma atração à parte, uma curiosidade instigante, é um grande desafio para entender tantas coisas, ora conflitantes ora harmônicas. Ao mesmo tempo que há um grande estímulo ao turismo e uma constante louvação à prodigiosa natureza há uma grande degradação ambiental aliada à especulação imobiliária e à ocupação desenfreada dessas mesmas áreas turísticas. Enquanto há uma forte e arraigada tradição, há um descolamento dessas mesmas raízes em busca de outras tendências. Enfim, progresso convivendo com atraso, avanços com retrocessos. Coisas comuns no Brasil das quais SC não poderia ficar isenta.
Mas, é bom olhar mais um pouco para a história. Acima de tudo, não dá para esquecer dos indígenas defendendo suas terras, da Guerra do Contestado, da revolução de 1893 e do massacre na ilha de Anhatomirim.

Mas, esta é também a terra de Anita Garibaldi. E, como feminista que sou, tenho profundo orgulho de conhecer as vidas das grandes mulheres catarinenses. Anita Garibaldi ganhou o mundo, morreu como a heroína dos dois mundos, aos 28 anos, Antonieta de Barros, primeira deputada estadual, do Brasil, eleita na primeira eleição em que as mulheres tiveram reconhecido o seu direito ao voto. Negra, professora e intelectual. No importante movimento cultural “Grupo Sul” destaca-se Eglê Malheiros. Eglê Malheiros é também, uma estudiosa do grande Cruz e Souza. Esse poeta catarinense que foi o maior da poesia simbolista no Brasil. Mas, ao falar da poesia e seus poetas, das terras catarinas, é imprescindível lembrar autores contemporâneos onde se destacam Lindolf Bell, Osmar Pisani e Alcides Buss. E como não lembrar do “Mundo Ovo” da artista plástica, pintora, desenhista, escultora e ceramista Eli Heil que um desavisado candidato a governador pensou em destruir para alargar a SC-401!

Com tantas e tão importantes histórias de mulheres, hoje SC é um dos estados do Brasil onde acontece a maior manifestação, acadêmica e política do movimento feminista, o Seminário Internacional Fazendo Gênero realizado, periodicamente, pelo Instituto de Estudos de Gênero da UFSC. Mas, não é apenas na academia, o movimento de mulheres em SC se espalha e se consolida em muitos municípios do interior e do litoral. Em Florianópolis, desde 1989 existe e persiste o mais antigo grupo feminista ainda em atividade, a “Casa da Mulher Catarina”.
Mas, foi a participação política que mais me ensinou sobre SC. Quando me elegi em 1982 fui a primeira vereadora eleita de Florianópolis. Cumpri uma trajetória política que me levou a conhecer os meandros dos processos decisórios. Tanto como Diretora Geral do Departamento Autônomo de Saúde Pública, como quando fui Secretária de Urbanismo e Serviços Públicos ou quando, junto com Anita Pires percorri quase todo o estado organizando núcleos do PMDB– Mulher. Em nome de muitas entidades da sociedade civil representei SC em instâncias nacionais e internacionais. Foram anos intensos e alucinantes, como assim exigia a conjuntura desses períodos. Quando vi, estava na China, 4ª Conferência Mundial da Mulher.

De lá para cá tenho participado de muitas atividades, mas claramente, venho diminuindo a intensidade dessa atuação. Afinal, há um tempo de fazer e outro de lembrar. Agora, estou no tempo de lembrar! Eis que para minha profunda alegria a Deputada Ana Paula propôs e foi aprovado, por essa Casa Legislativa a minha indicação para esse honroso título. Tenho muito orgulho e prazer de ter percorrido esse estado em todos os seus sentidos, geográficos, históricos, administrativos e afetivos. Por isso, eis-me aqui, emocionada, na frente de familiares, amigas e amigos, relembrando todas essas passagens marcantes, trilhadas em conjunto com vocês.
Para concluir devo dizer, que quando fui batizada, em 1945, as deusas já conspiravam a meu favor. Pois, para batizar, naquele tempo, era necessário que se tivesse nome de santo como o meu não era, foi acrescentado qual? Ora, Clair Catarina! Tudo a ver, não é mesmo?

Santa Catarina, por seus conhecimentos, foi talvez a primeira feminista. Renegou o imperador Maxêncio como marido, dialogava com filósofos e matemáticos, e era, segundo Rodrigo de Haro, a reencarnação de Isis do culto muito antigo, também para sua época. Sem esquecer que no candomblé ela é Obá.

Portanto, com essa conjugação de fatos e memórias, só me resta agradecer e saudar, agora como Cidadã Catarinense!

 

Obrigada Santa Catarina!

Viva Santa Catarina!

 

Florianópolis, 7 de agosto de 2018.