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MORTALIDADE MATERNA: COMOVE, MAS NÃO MOBILIZA

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“O… nome de mulher é tão sagrado
Mulher… é nome pra ser respeitado
A cobra não morde uma mulher gestante
Porque respeita seu estado interessante (…)”
(Nelson Cavaquinho, J. Ribeiro, Guilherme de Brito).

A música é boa… no entanto, quando são considerados os números da morte materna no Brasil, as palavras do poeta são ignoradas.
No Brasil, a razão de morte materna (RMM) no ano de 2010 foi de 68 mortes maternas por grupo de 100 mil nascidos vivos, caindo para 63,9 em 2011. Apesar de apresentar redução o índice continua muito acima do que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável, que é de 20 mortes maternas para cada 100.000 nascidos vivos.
A hipertensão e a hemorragia são as duas principais causas específicas de morte materna. A infecção puerperal e o aborto aparecem como outras importantes causas obstétricas diretas de morte materna. (Boletim, 1/2012 – MS)
A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos desde a sua articulação, no início dos anos 90 do século passado, sempre teve como foco a discussão, o debate, a formulação de propostas e o monitoramento da morte materna em nosso país.
Desta forma a data de 28 de Maio – “Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher”, a Morte Materna é o tema central no Brasil, é um momento interessante para algumas análises.
A morte materna, para nós do movimento feminista, sempre foi analisada dentro do conjunto de circunstâncias relacionadas com os indicadores de adoecimento e morte das mulheres. Não se trata, portanto, de um evento isolado que é vivenciado pelas mulheres na idade reprodutiva. É muito mais o resultado da precariedade da assistência à saúde, da desigualdade de gênero, do preconceito, do racismo, da alienação, dos fundamentalismos religiosos, da expropriação do corpo da mulher pela sociedade patriarcal, do mercantilismo do sistema de saúde assistencial-privatista, do esvaziamento das práticas e princípios do Sistema Único de Saúde – SUS.
É, acima de tudo, o resultado da submissão do Estado brasileiro às imposições da política internacional, como o Relatório do Banco Mundial de 1993 – “Investindo em Saúde”. A partir daí passou a adotar, na contramão do Sistema Único de Saúde – SUS, as políticas focalizadas para a assistência à saúde substituindo as políticas universais, equânimes e integrais por ações pontuais e restritivas. Desta forma ocorre uma constante, gradual e persistente decadência das ações e serviços voltados para a saúde da mulher em nosso país e do SUS como um todo.
Quando em 1983 foi lançado o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM, ainda na vigência da ditadura militar, houve um avanço conceitual e normativo, pois foi o início da superação da lógica de atenção denominada de “Materno-Infantil”. A formulação indicava a separação entre saúde da mulher e saúde da criança. Ampliava o âmbito de atuação, a mulher era vista como um ser integral, que adoecia e morria de todas as causas pelas quais adoecem e morrem os habitantes desse país. Incluía o atendimento à mulher em todo o seu ciclo vital, além de considerar as especificidades das condições de vida, classe social, raça/etnia, orientação sexual, origem geográfica, entre outras. Estas concepções foram aprofundadas e implementadas a partir de 2003; sendo que em 2004, o PAISM transformou-se um uma política (PNAISM). Após esse período foi apresentado ao país o “Pacto pela Saúde – 2006”, um acordo entre gestores, que reduziu drasticamente a abrangência das ações para a Saúde da Mulher. Esse pacto adequou as propostas da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – PNAISM aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – ODMs.
Na campanha eleitoral de 2010 surge um fato novo: a Rede Cegonha! Uma viagem onírica, baseada no antigo imaginário infantil sobre a origem dos bebês. Um dos objetivos principais da Rede Cegonha é a redução da morte materna no Brasil. Ao que parece as dificuldades persistem e a redução não atingirá nem as metas do milênio. Enquanto isso a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher foi desmontada, assim como ocorreu também, o desaparecimento do Pacto Nacional contra a Morte Materna e Neonatal e por fim, o esvaziamento dos Comitês de Morte Materna.
E assim caminha a saúde das mulheres, a morte materna e os compromissos do Estado brasileiro com a sociedade e com os órgãos internacionais.
Para agravar o quadro, o Brasil assiste perplexo o Congresso Nacional ser transformado num Tribunal de Inquisição, onde pululam deputados/pastores/padres, enlouquecidos e misóginos, em bancadas pela “vida”, contra a legalização do aborto e que agora se voltam contra o movimento feminista. Ameaçam as mulheres e suas entidades organizativas com sucessivas Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs, Estatuto do Nascituro, Bolsa-Estupro escancarando o avanço sórdido de posições retrógradas e fundamentalistas. A Rede Feminista é arrolada numa dessas CPIs como criminosa, o que coloca o Brasil entre os países em que as defensoras de direitos humanos são perseguidas e os movimentos sociais criminalizados.
As perguntas que fazemos são as seguintes:
– Como diminuir a incidência/prevalência da morte materna e o aborto sem prevenir a gravidez indesejada?
– Como prevenir a gravidez indesejada, sem dados confiáveis para o planejamento em saúde, já que o aborto, sua principal resultante é considerado crime e é realizado na clandestinidade?
– Como resolver um problema de Saúde Pública, como a Morte Materna e o aborto sob uma ótica religiosa, baseada na culpa e no pecado, que fere o princípio da laicidade do Estado, que atenta contra a Constituição da República?
– Como vencer a covardia do Executivo e do Legislativo que se dobram às imposições das bancadas religiosas, atrasadas, histéricas e eleitoreiras?
Essas questões acima conduzem às últimas perguntas:
– Por que se fazem passeatas, cultos, cerimônias macabras, contra a legalização do aborto e não acontece, de parte desses mesmos setores (“pró-morte das mulheres”), nenhuma mobilização contra a morte materna?
– Caberia somente às mulheres, notadamente as feministas, lutar pelo fim dessas mortes ou quase mortes evitáveis e eticamente inaceitáveis?
– Porque nossos gestores de saúde (municipais e estaduais), não implementam os serviços para o atendimento do aborto nos casos previstos em lei?
– Porque não se garante a todas as mulheres o acesso às tecnologias médicas que podem salvar a vida das gestantes? (acesso ao Centro de Terapia Intensiva – CTI, ao sangue, aos medicamentos, aos especialistas e aos procedimentos diagnósticos de alta complexidade).
Se os recursos são insuficientes, as grávidas deveriam ser priorizadas para o uso dos recursos oferecidos.
Por estas e outras situações que nós da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos exigimos do Estado brasileiro e dos governos estaduais e municipais providências políticas, técnicas, viáveis, abrangentes e urgentes que busquem EFETIVAMENTE a redução e o controle da morte materna e suas causas mais diretas, como o aborto inseguro, o preconceito e o descaso.
Exigimos uma Assistência Integral à Saúde da Mulher dentro de princípios e práticas humanizadas, integrais e universais. Dentro do conceito de Direitos Reprodutivos, concebido no âmbito dos Direitos Humanos!
Assinam:
Rede Nacional Feminista… E suas regionais.

De Bagdad a Brasília – sobre assistência farmacêutica

Ôi, pessoal,
está em andamento a organização do Congresso da FENAFAR – Federação Nacional dos Farmacêuticos.
Nos últimos anos ocorreram importantes transformações e avanços na Assistência Farmacêutica no interior do Sistema Único de Saúde. É claro que as contradições e tensões permanecem. Nosso velho conhecido, o incansável complexo médico-industrial-farmacêutico faz investidas e tenta se apropriar do financiamento público no campo do medicamento. Na maioria das vezes com sucesso. No entanto, a resistência parece que se dá de forma mais orgânica e com mais instrumentos legais e institucionais. Mas, não podemos esquecer que estamos em plena vigência de um governo que opera dentro de um Estado capitalista, ainda neoliberal (transitando para fora dessa fase?). Daí, lembrei de nossas lutas nos anos pré-governos Lula – Dilma, quando nosso grupo de farmacêuticos (as) que estava organizado dentro da FENAFAR conseguiu articular e realizar a 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica. Como fui a Coordenadora da Conferência quero compartilhar o meu discurso de 2003 realizado na abertura da conferência. Espero que sirva para não esquecermos os passos de toda a luta de farmacêuticos, sanitaristas, democratas e nacionalistas na busca de uma assistência farmacêutica, universal, de qualidade, ética, voltada para a qualidade de vida e saúde. Espero que sirva para nossa reflexão e estímulo.

Um dos médicos mais célebres da época árabe foi o persa Rasés (865 – 925). Sua observação acerca do uso de medicamentos é perfeitamente utilizável nos dias atuais:

“Quando puderes tratar por meio dos alimentos, isto é, da dieta, não prescrevas remédios e, quando bastarem remédios simples, não receites os complicados”.

Assim como a história dos medicamentos pode ter começado em Bagdad quando os árabes criaram a primeira botica que se tem notícia e quando, ainda no reinado de Harum Al Rachid (786–809), os médicos e preparadores de medicamentos dissociaram seus misteres e a técnica farmacêutica (farmacotécnica) deve muito do seu desenvolvimento à medicina árabe, aqui no Brasil, a preocupação com os medicamentos e todos os procedimentos correlatos também começou muito cedo, com os jesuítas, durante a colonização.

Poderiam ser a quinta essência dos alquimistas, a pedra filosofal, se considerarmos a origem alquímica das fórmulas que saíam dos fornos, alambiques, retortas e cadinhos que ao longo dos séculos resultaram nos laboratórios químicos da atualidade.

O medicamento tem sido o bálsamo e o veneno, a mercadoria e a fórmula mágica que salva e cura. É o fármaco, sinônimo de droga, princípio ativo, base medicamentosa. É o componente principal e mais caro de uma especialidade farmacêutica, em contraste com o número elevado de especialidades farmacêuticas, o número de fármacos é reduzido.

Um produto com tanto mistério, significado e história só poderia desenvolver uma trajetória complexa e abrangente.

Nos séculos mais recentes esta questão atingiu o espaço público, econômico e privado. O setor saúde e o comércio, a ciência e a tecnologia.

Tamanha diversidade de temas, empíricos e científicos, mágicos e racionais resultou num panorama de grandes descobertas, mas também de controvérsias e conflitos, éticos e científicos, quando se consideram os graves problemas que o consumo abusivo, inadequado e irracional dos medicamentos causa às populações humanas. No Brasil não é diferente.

A 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica é o resultado de uma longa caminhada que iniciou nos anos 60 do século passado com as campanhas pela nacionalização da indústria farmacêutica. A Farmacobras. Pode ter começado, também, junto com as iniciativas e debates realizados no âmbito do movimento pela Reforma Sanitária ou com os primeiros livros discutindo o assunto medicamento, dependência, lei de patentes e soberania nacional, escritos por Mário Victor de Assis Pacheco assim como o imprescindível trabalho de Unírio Machado(1963) relatando a Comissão Parlamentar de Inquérito de 1961.

Em 1971 foi pensada e logo criada a Central de Medicamentos – CEME, implementada durante o governo Médici cumpriu uma finalidade tanto de segurança nacional, estratégica, como de pesquisa, produção e distribuição/dispensação de medicamentos.

Em 1988 foi promulgada a Constituição da República e com ela nasceu o Sistema Único de Saúde – SUS, regulamentado em 1990 pelas leis orgânicas 8080 e 8142.

Nos anos 1990, inicia-se no Brasil a intensificação do projeto neoliberal decorrente do Consenso de Washington.

Reformas ministeriais, estado mínimo, flexibilização da legislação trabalhista, entreguismo, traição, subserviência ao capital financeiro internacional, dominação cultural, mercantilização da vida e da saúde, desemprego, miséria, violência, doença e morte.

A CEME foi extinta no governo Fernando Henrique Cardoso em 1997.

O medicamento é a mercadoria privilegiada, de uso compulsório. A “empurroterapia” assola o mercado e as “cestas” e “kits” infestam o Ministério da Saúde. É “cesta básica”, “kit mulher”, “kit PSF”, “kit sertão”, entre outras “pérolas” da assistência farmacêutica fragmentada, dispersiva e com baixa resolutividade.

Os preços extorsivos dos medicamentos, as fraudes, os entraves para a implantação da política dos genéricos, o uso abusivo e inadequado por alguns, a falta e a carência da maioria agravam a situação do acesso, qualidade e humanização da assistência farmacêutica no SUS. Na verdade, dificilmente pode-se denominar o que existe na rede do SUS de assistência farmacêutica.

A situação repercute na grande imprensa, o legislativo reage, os usuários, como sempre, sofrem!

Mais uma Comissão Parlamentar de Inquérito em 1999.

O executivo produz a Portaria nº 3916, de 30 de outubro de 1998 que cria a Política Nacional de Medicamentos e a Lei nº 9787, de 10 de fevereiro de 1999 conhecida como a Lei dos Genéricos. Enfrenta embates graves sobre a quebra de patentes para os medicamentos da AIDS enquanto pulveriza todo o ciclo da assistência farmacêutica em dezenas de programas específicos, espalhados em diferentes secretarias do ministério, com difícil controle e monitoramento.

As Conferências Nacionais de Saúde, a 9ª, a 10ª e a 11ª, recomendam em seus relatórios a proposta que exige a convocação de uma conferência temática sobre assistência farmacêutica.

O processo da atual Conferência iniciou, na reunião do Conselho Nacional de Saúde, realizada na sede da Fundação Instituto Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, em sessão comemorativa do centenário da instituição onde foi apresentada a análise do relatório da CPI. Era maio de 2000.

Inicia-se, a partir daí, no Conselho Nacional de Saúde, longa e difícil negociação. O Conselho aprova a convocação pela Resolução nº 311, de 05 de abril de 2001, baseada na Recomendação nº 26, aprovada pelo Plenário da 11ª Conferência Nacional de Saúde realizada de 15 a 19 de dezembro de 2000.

Transcorre 2001, atravessamos 2002, iniciou-se 2003. Enquanto isso, eram acordos com o Ministério da Saúde e o Conselho, exigências e concessões, portarias de convocação, incompletas porque não se conseguia consenso, divergências quanto a número de delegados, título e temário, vetos a nomes da comissão organizadora, enfim, todos os artifícios para protelar a realização da Conferência. A partir de julho de 2002 inicia o período eleitoral.

Ano de 2003. Início do novo governo. O novo Ministério da Saúde assume e rapidamente obtém-se o consenso com o Conselho Nacional de Saúde. O ministro da saúde, o secretário executivo do ministério e o então secretário de ação participativa e a secretaria de ciência, tecnologia e insumo em saúde garantem todo o apoio necessário para a realização da Conferência.

Finalmente a 1ª Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica acontecerá em Brasília, nos dias 15 a 18 de Setembro.

O Brasil começa a pensar e formular uma política de assistência farmacêutica sob o olhar, a voz e a perspectiva dos usuários, prestadores, gestores e profissionais que debateram e deliberaram, desde 2002, a partir dos municípios e dos estados.

Aquilo que parecia distante, no horizonte dos nossos desejos e sonhos, acontecerá.

Acontecerá porque o Brasil tem direito. Acontecerá porque a vontade da maioria superou a estreiteza da tecno-burocracia.

Acontecerá porque a sociedade assim o quer.

Sejam bem vindos. Embarquem nesta tarefa. “Os alquimistas estão chegando…” e nos dizem:

 

Se as coisas são inatingíveis…ora!

Não é motivo para não querê-las…

Que tristes os caminhos, se não fora

A mágica das estrelas!

(Mário Quintana – Das Utopias)

Julgamento no Supremo Tribunal Federal em relação à ADPF sobre anencefalia

Nós, da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos vimos por meio desta manifestar a nossa grande satisfação e alegria pelo resultado do julgamento no Supremo Tribunal Federal em relação à ADPF sobre anencefalia. O intenso e profundo debate que aconteceu nos espaços do Supremo Tribunal Federal em Brasília revelou, além da complexidade do tema, a imensurável pressão das forças fundamentalistas e retrógradas que atuam, principalmente no Congresso Nacional, em sua cruzada para impedir o processo do avanço civilizatório que ocorre em nosso país.

Nessa perspectiva o julgamento foi um momento histórico e que reveslou a grandeza e a profundidade do debate e da argumentação jurídica, científica, conceitual e ideológica que foi travada na instância máxima do judiciário brasileiro.

Mas, acima de tudo, e determinante no processo todo, foi o papel desempenhado pelo movimento de mulheres e feminista no encaminhamento da questão, na luta cotidiana, nos enfrentamos com o atraso e o obscurantismo e a habilidade e senso de visão estratégica revelado pelo grupo Anis, a companheira Débora Diniz e a CNTS ao desencadearem o processo mediante a ADPF.

Estamos todas e todos de parabéns! Mas, acima de tudo, o que mais nos alegra e fortalece é o resultado em favor das mulheres; da vitória da justiça e da luta contra a crueldade imposta às mães de fetos anencefálicos.

Celebramos, enfim, o avanço dos direitos humanos, das decisões individuais e soberanas das mulheres sobre o seu corpo e, acima de tudo, o aumento da compreensão pela sociedade e seus representantes sobre a laicidade do Estado como uma questão constitucional.

O Brasil cresce, avança, se humaniza!

Nós, mulheres, somos sujeitas históricas desse processo, o que muito nos engrandece e exalta.

A todas e todos, enviamos as nossas

SAUDAÇÕES FEMINISTAS

Atenção: plano diretor em discussão em Florianópolis.

Berro pelo aterro, pelo Desterro…

Dos tubarões fugi eu

Os tigres matei-os eu

Devorado fui eu

Pelos percevejos.

(B. Brecht)

 

1983. Ilha de Santa Catarina, porção insular da capital catarinense. Praça XV de Novembro, Câmara Municipal. Esse foi o palco de uma das mais férvidas discussões sobre o destino da cidade. Tramitação, deliberação e aprovação do Plano Diretor dos Balneários, que resultou na Lei nº 2193/85.

O Plano, após muitos anos, finalmente chegou ao plenário. Mutilado e desatualizado. Adaptado às construções irregulares e às alterações de gabarito antes mesmo de sua votação. Assim age a elite predatória de Florianópolis. Retarda a aprovação das leis e regulamentos que ordenam o uso e ocupação do solo usando vereadores, servidores públicos venais, personagens do judiciário que esqueceram as leis e fiscais ambientais corruptos. Predomina o pensamento capitalista/neoliberal pelo qual cada centímetro quadrado desta ilha pode ser vendido, porque o mercado está ávido para faturar de forma imediatista e destrutiva.

No final dos anos 80 e início dos 90, do século passado, travou-se outro grande debate ideológico-conceitual a respeito do melhor destino para a cidade.

Em 1988 o PDS/PFL, com Esperidião Amim e Bulcão Viana, venceu as eleições para Prefeito e a direita elegeu a grande maioria dos vereadores. Os eleitos apresentaram à Câmara Municipal uma série de projetos ditos de desenvolvimento para a cidade.

Tratava-se de um conjunto de propostas contendo graves violências ambientais. Provocavam mudanças irreversíveis na qualidade urbana, no meio ambiente; alteravam o zoneamento das áreas de preservação permanente; desfiguravam a paisagem urbana; levavam à destruição do canal da Barra da Lagoa com a construção de uma marina para um loteamento, num ecossistema sabidamente frágil; aumentavam os gabaritos nas ruas da orla da Lagoa, engendravam um hotel, centro de convenções e uma sede para a prefeitura na área existente nos entornos da ponte Hercílio Luz, hoje, Parque da Luz.

A justificativa era a necessidade de Florianópolis evoluir, desenvolver-se, gerar empregos, adentrar na modernidade (o Brasil conhece esse argumento). O padrão divisado era o de Palma de Mallorca, Ibiza, Cancun, entre outros.

Para entender a situação atual é imperativo que seja relembrada a absurda caçada moral e política que se transformou o episódio das votações e debates sobre o Plano Diretor de Florianópolis nos anos de 1990. Foi o famoso episódio dos “amigos de Florianópolis” (empresários do turismo, especuladores imobiliários, predadores das belezas naturais, leiloeiros de cada pedacinho de terra) versus “os contras” (vereadores oriundos de partidos de esquerda, movimentos sociais, ecologistas, jovens, intelectuais e ativistas sociais).

Essa marca atingiu os seis vereadores da oposição, da legislatura de 1989 a 1992. Esses parlamentares ousaram questionar e apresentar argumentos sólidos em defesa do município e de seus cidadãos. Defenderam um modelo de desenvolvimento brando, pouco agressivo, suave, com respeito à natureza e ao patrimônio arquitetônico de Florianópolis. A campanha foi intensa. Os seis vereadores foram caluniados e agredidos duramente com peças jornalísticas e televisivas que depois foram usadas nos programas eleitorais do então PDS. Os “contras” não se reelegeram.

Hoje, mais de 20 anos depois, as teses e propostas desses vereadores ficaram comprovadas como corretas e adequadas para a boa qualidade de vida da cidade.

Hoje, os mesmos colunistas e comunicadores da imprensa, repetem os mesmos argumentos utilizados pelos “contras” para manifestar perplexidade e espanto com a presente realidade de Florianópolis. Constatam o triste cenário que ajudaram a construir.

O episódio, mais recente, da operação “Moeda Verde” escancarou a maior quadrilha, eclética, diversificada e ferozmente letal, composta, mais uma vez, do prefeito, vereadores, empresários, servidores, fiscais e elementos do judiciário. E, ao que tudo indica existente há muitos anos.

O que sobrou de tanta virulência e insanidade foi o grotesco e deprimente cenário de uma ilha semi-destruída. Uma ilha ocupada intensivamente, com a paisagem urbana deteriorada; o trânsito caótico e paralisado; viadutos disformes; ruas e avenidas cortando comunidades, antes tranquilas; “shoppings” gigantescos sobre mangues invadindo sem nenhum respeito à vida e o cotidiano dos bairros; prédios amontoados em todos os espaços existentes asfixiando a cidade; dunas e mangues ocupados com habitações sub-humanas; favelas, poluição, condomínios de luxo e casas lançando esgotos in natura nos mares e lagoas. Além de tudo isso as doenças infecciosas como as dermatites, micoses, gastrenterites, otites brotando das águas e areias das antigas praias límpidas e saudáveis.

Prédios, casas, restaurantes, bares, milhares de lojinhas horrendas e antiestéticas construídas sobre as restingas, áreas públicas ocupadas (os maiores exemplos estão em Ingleses e Canasvieiras). Poluição visual incontida, propagandas, cartazes, out-doors, privatização da paisagem.

Será que a elite da construção civil, do comércio e do turismo conseguiu seu objetivo? Conseguiu uma cidade sem leis, uma terra de ninguém, um consórcio de compadres, onde a legislação é mero acessório, alterável conforme seus interesses? Uma terra que teve seu patrimônio artístico, cultural, arqueológico e arquitetônico, lesado de forma irreversível, que perdeu a sua alma? Que enterrou suas referências históricas, alienou as imagens e lembranças de seus ancestrais? Conseguiu transformar Florianópolis num lugar sem alma, sem história e sem emoção, presa fácil dos urubus do mercado imobiliário?

E a sociedade florianopolitana como está frente à tamanha tragédia urbana e ambiental? Estará perplexa, impotente, revoltada, triste, nauseada? Ou, contente e entusiasmada com o “progresso”, a notoriedade e o dinheiro fácil que chega? Impossível saber.

Haverá alguma reação? Ou, acompanhará submissa e silenciosamente a paixão e morte de seu antigo paraíso?

É hora de usar todos os meios legais, toda a capacidade de pressão dos movimentos sociais e comunitários em favor das ações coletivas e civilizatórias para salvar o que restou de Florianópolis.

É hora de intimidar os “bandidos” locais e os que aqui chegam, nestes tempos globalizados, impedi-los de contaminar e lesar o patrimônio natural, o futuro das novas gerações, a qualidade de vida do presente.

É hora de tomar consciência do que representa para a velha Desterro a chegada massiva da insana vulgaridade que a invade.

Essas discussões já ocorreram nos anos 80, nos anos 90, no início do terceiro milênio, mas os efeitos ainda são frágeis, as críticas localizadas. Ainda não ganharam paixão e consistência junto à grande maioria da população.

A ofensiva da burguesia local, contra a qualidade de vida da cidade, resultou no que vemos hoje: um paraíso da mediocridade, da especulação, da destruição cultural, artística e arquitetônica; o embaçamento da memória histórica; um crescimento asfixiante acompanhado da pior mobilidade urbana da história. Um reino encantado de ex-BBBs[1], de jogadores de futebol famosos, de colunistas de quinta, de “penas e bocas alugadas” (alardeando as delícias da “ilha da magia”), elevados à condição de celebridades que orientam modelos de comportamento. A isso eles denominam progresso! A isso dão o apelido de modernidade! A isso chamam turismo de primeiro mundo…

O próximo monstrengo da Hantei, na Ponta do Coral já foi elevado à condição de obra prima da arquitetura contemporânea, marco da construção civil!

Chega! É hora de garantir o prazer infinito, e que não é mercadoria, de viver em Florianópolis!


[1] Big Brother Brasil.

Instalação da Rede Nacional Feminista de Saúde em Santa Catarina: Uma tarefa histórica

Uma das preocupações mais importantes do feminismo é o questionamento da ordem sexual dominante. A partir desta foi construído um ideal feminino segundo o qual é avaliado, julgado e disciplinado o comportamento da mulher em todas as nuances de sua vida.

A saúde é, talvez, o mais importante foco desses controles opressivos e estereotipados, pois trás consigo o domínio do corpo e a vivência da sexualidade. A vida da mulher, marcada pelo sangue, pelos humores, hormônios e alterações cíclicas muitas vezes é relacionada aos ciclos da natureza, às fases da lua, aos equinócios e solstícios, aos movimentos da terra e aos rituais da semeadura e da colheita, às deusas da fecundidade e da beleza. Toda essa multiplicidade de sentimentos e crenças ao mesmo tempo em que conferia um sentido poético, sagrado e misterioso, também estimulavam um conjunto de rituais que tanto eram de adoração como de repressão, terror e medo. Nas origens culturais são encontradas diversas lendas que tentavam explicar a fertilidade das mulheres. Quando não eram entendidas geravam relatos fantásticos “de vaginas dentadas ou devoradoras que ameaçavam os homens com seu poder”.

Essas diferentes interpretações da vida sexual e reprodutiva das mulheres transformaram o ciclo vital da fêmea da espécie humana em algo que precisava ser conhecido para ser subjugado. As transformações do corpo feminino tornaram-no objeto de crendices e controvérsias. Para controlar o poder fantasiado da sexualidade e da fertilidade femininas, a história da humanidade e da própria ciência está marcada de exemplos cruéis: cinturões de castidade, cerimônias culturais de controle como a infibulação, clitoridectomias para o tratamento da masturbação, violência crescente no parto mediante o uso de procedimentos, artefatos e manobras além dos maus tratos psíquicos. (Sanchez, [1984?])

Os preconceitos e discriminações foram validados pelas diferentes culturas, ciências e religiões em todos os tempos.

Na nossa sociedade ocidental judaico-cristã, os principais mecanismos utilizados para a submissão da mulher são a culpa, o pecado original, o culto da castidade e da virgindade, o casamento monogâmico e o ato sexual destinado apenas à reprodução.

Na Idade Média, os tenebrosos processos de heresias, movidos pela Inquisição, durante mais de cinco séculos de repressão e terror, custaram às mulheres a morte nas fogueiras sob acusação de bruxaria.
Os relatos históricos informam que elas eram as médicas, farmacêuticas e parteiras, matronas e curandeiras de suas comunidades. Detinham grande conhecimento das plantas medicinais e suas propriedades.
Deve-se ressaltar que as mulheres são as responsáveis por várias descobertas científicas, o que sempre foi ocultado pela ciência dominante.

E, como não poderia deixar de ser, a maioria das fórmulas líquidas, quando são diluídas ou fracionadas, invariavelmente partem de uma “solução-mãe”!

Quando surgiu e se impos o pensamento racionalista e com ele a medicina científica esta foi masculina, patriarcal. Medicina esta que, apesar de todo o discurso Iluminista, nunca perdeu a influência da Igreja, tanto nos saberes como nas práticas. As controvérsias sobre o aborto que perduram até os dias de hoje são um exemplo clássico.

Esse poder/saber foi em grande parte subtraído das mulheres. O conflito tornou-se inevitável, embora tenha iniciado alguns séculos antes.

Com o passar do tempo a religião como forma de opressão sobre a mulher foi substituída pela Medicina.
Uma das possíveis causas pelas quais o movimento feminista tem entre suas principais bandeiras de luta a questão da saúde repousa na necessidade de desvelar o conteúdo dessa história longínqua, resgatar esse saber ancestral que foi usurpado, investigar onde reside a explicação das origens da expropriação do corpo da mulher pelo sistema médico. No entanto o sistema tem, também, uma importância estratégica para a opressão sobre a mulher. A ciência médica tem sido uma das armas mais poderosas da ideologia sexista em nossa cultura. “Em última instância, é a justificativa para a discriminação sexual – na educação, no trabalho e na vida pública – que surge daquilo que diferencia o homem da mulher: SEU CORPO”. (Ehrenreich e English, 1980).

Com o passar do tempo a soma destes ingredientes: uma ciência que nunca foi neutra, a opressão cultural, a religião, a hegemonia do patriarcalismo e a exploração capitalista gestou um quadro de horror. Quadro este que é manifesto na expropriação do corpo da mulher, na opressão à sexualidade, na normalização da reprodução, na medicalização, na desumanização da assistência, na violência do atendimento ao aborto, seja espontâneo ou não, e na indiferença quando termina o ciclo reprodutivo.

É marcante a tentativa de dominação dos corpos, dos desejos, da sexualidade, da imposição de racionalidades médicas limitantes e voltadas para a opressão.

O saber feminino popular caiu na clandestinidade sendo muitas vezes apropriado pelo poder médico masculino que já se tornara hegemônico. As mulheres, dominadas e sem direito e nem acesso ao estudo como na Idade Média passaram a transmitir, voluntariamente, a seus filhos valores patriarcais já absorvidos por elas.

Assim se passaram os séculos.

Os seres humanos, domesticados e condicionados por uma cultura patriarcal estão preparados para o advento do capitalismo e de sua medicina de raiz positivista mercantil e medicalizante.
A sociedade de classes que já está construída nos fins do século XVIII é composta de trabalhadores dóceis que não questionam o sistema.

O século XIX é um marco na transição entre o passado medieval, a era moderna e a cultura contemporânea.

Além das revoluções e lutas libertárias que ocorrem na Europa, no final do século XIX e início do século XX a nova realidade resultante do trabalho produtivo e remunerado das mulheres é rompida. O limite estrito que existia entre o público e o privado, entre a reprodução biológica (no universo privado) e a venda da força de trabalho (esfera coletiva da produção industrial) fica visível. Assistimos ao surgimento de mais uma mercadoria no capitalismo em plena expansão – a mulher trabalhadora.

Ainda nesse século, são produzidos os primeiros artefatos de contracepção. Com o transcorrer do tempo os métodos anticoncepcionais aparecem na cena social trazendo consigo as possibilidades de libertação da mulher da obrigatoriedade da concepção, a alternativa do controle populacional, a transgressão aos ditames religiosos de sexo só para a reprodução.

A controvérsia, o debate, o antagonismo estavam instalados e faziam parte integrante do cenário da época.
Outro aspecto que também se desenvolve são os estudos, pesquisas e as novas práticas relativas à contracepção e à concepção. Ou seja, a questão da reprodução e da sexualidade continuava como foco das preocupações.

Em 1960 foi lançada a pílula anticoncepcional. Os eventos na área da reprodução multiplicaram-se de forma acelerada. Vários métodos anticonceptivos de base hormonal, com diferentes vias de administração, processos de tratamento da infertilidade, fertilização “in vitro”, embriões congelados, “úteros de aluguel”, vacina anticoncepcional, entre outros, e os que ainda virão, tornam cada vez mais necessária a definição de novos conceitos e paradigmas que combinem a ciência, a ética, a bioética, o desejo das mulheres de ter ou não ter filhos, o direito de decidir sobre o próprio corpo, o aborto, a religião e a laicidade do estado e da ciência, a saúde física, mental e ambiental e as políticas públicas de saúde e demografia.

Esse complexo elenco de variáveis chegou às esferas internacionais, e às Conferências da ONU sobre população, desenvolvimento, direitos humanos, meio ambiente, mulher, equidade e paz.
“MEU CORPO ME PERTENCE”!

A discussão e estudo dessas questões remetem, decisivamente, para o campo da saúde e seus serviços.

Para que estas interfaces sejam contempladas é necessário que se utilize o conceito de direitos reprodutivos. Este conceito é uma construção teórico-conceitual elaborado pelo movimento de mulheres e referendado em Amsterdã em 1984, no “Tribunal Internacional do Encontro sobre Direitos Reprodutivos” que ocorreu no 8º Encontro Internacional Mulher e Saúde. Segundo (AVILA, 1993) “a novidade em relação aos direitos reprodutivos é que são uma invenção das mulheres participando, como sujeitos, da construção de princípios democráticos. O feminismo é o locus político e filosófico dos direito reprodutivos, é, na sua história ocidental, uma luta por igualdade. A ONU reconhece, na Conferência de Nairobi em 1985 que a “promoção dos direitos da reprodução é uma aquisição fundamental das mulheres para uma justa posição na sociedade.

A partir destas considerações, DIREITOS REPRODUTIVOS são os direitos das mulheres de regular sua própria sexualidade e capacidade reprodutiva, bem como de exigir que os homens assumam responsabilidades pelas conseqüências do exercício de sua própria sexualidade.
A abrangência desse conceito envolve a contracepção, esterilização, aborto, concepção e assistência à saúde.

Trabalhar com direitos reprodutivos significa entender que foi ampliada a abordagem sobre o assunto. O Relatório da Conferência do Cairo, 1994, reflete a agenda de prioridades que as mulheres construíram assim como demonstra que elas também redirecionaram o eixo da questão populacional. A partir daí o planejamento familiar perde força como conceito e emerge, com grande destaque o conceito de Direitos Reprodutivos como parte integrante dos Direitos Humanos.

A busca do consenso sobre os conceitos de direitos reprodutivos e direitos sexuais ocupou grande parte da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, – CIPD – 94, Cairo, 1994. (ONU, [1985?])
Ao final, a declaração contempla as diferentes posições e o consenso é obtido mediante intensa negociação para obter avanços e ao mesmo tempo resistir à pressão das forças fundamentalistas lá presentes.

Na 4ª Conferência Mundial da Mulher – Igualdade, Desenvolvimento e Paz, Beijing, 1995, muitas das decisões do Cairo são retomadas e garantidas. Na declaração está explícita a recomendação aos países signatários para revisarem a legislação punitiva sobre o aborto. É sem dúvida um grande progresso para a consolidação dos direitos reprodutivos.

O pensamento patriarcal, como já foi visto, alimenta-se dos preconceitos, realiza-se na opressão cultural e concretiza-se na qualidade dos serviços de saúde oferecidos às mulheres.

O BRASIL E A SAÚDE DE SUAS MULHERES.

No Brasil, o Sistema Único de Saúde é a política de Estado onde convergem as diferentes demandas e onde ocorrem as disputas na hora de definir as prioridades e os recursos para a implementação dos serviços de assistência à saúde. O movimento feminista é a principal força impulsora para exigir o cumprimento dos acordos do Cairo e Beijing, na luta contra o fundamentalismo, o obscurantismo e o atraso.

Um bom exemplo dessas contendas é a verificação dos avanços e recuos dos programas destinados à saúde da mulher. Historicamente, as políticas de saúde da mulher eram vinculadas à maternidade e à infância, os conhecidos “Programa materno-Infantil”. O movimento feminista lutou sempre por programas destinados à promoção, proteção e recuperação dos corpos femininos, independentes do período reprodutivo/gestacional.

Um aspecto que chama atenção é que a mortalidade ligada ao ciclo gravídico-puerperal e ao aborto não aparece entre as dez primeiras causas de óbito nessa faixa etária. No entanto, a gravidade do problema é porque a gravidez é um evento relacionado à vivência da sexualidade, portanto não é doença, e que, em 92% dos casos, estas mortes maternas são evitáveis. Outro dado que impressiona é que grande parte das mulheres que morrem de causas ligadas ao parto realizou o pré-natal, o que remete à qualidade dos serviços prestados. Além de toda essa situação descrita ainda ocorrem graves problemas relacionados às mulheres negras, índias, lésbicas, trabalhadoras rurais e urbanas, adolescentes, além das vítimas de violência doméstica e de assédio sexual.

Em 1983 foi implantado o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM). Um conjunto de estratégias que atuava em todo o ciclo vital da mulher. Não durou mais do que 10 anos.

A partir de 1991 surge no Brasil a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos que tem como objetivo, missão e militância atuar junto e com a sociedade para superar essas mazelas decorrentes do patriarcado e do capitalismo. Somos, nós, mulheres, enfrentando o poderoso complexo médico-assistencial-privatista o principal agravo do capitalismo inserido no Sistema Público de Saúde

De 2003 a 2007 foi implementada pelo Ministério da Saúde, através da Área Técnica da Saúde da Mulher, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher um Plano de ação previsto até 2007.

A análise do perfil epidemiológico das mulheres brasileiras evidencia que as maiores causas de adoecimento e morte são a pobreza, o preconceito, a discriminação, a medicalização do corpo e a precariedade da assistência. É saber que o SUS, apesar de ser uma política de Estado é contra hegemônico em relação às políticas de governo o que dificulta a efetivação de programas de caráter universalista, como foi o caso do PAISM e do PNAISM.

No início do terceiro milênio a tarefa mais urgente é a necessidade de enfrentar a extraordinária hegemonia do pensamento neoliberal, a exploração de classe exacerbada na ditadura do mercado; o fundamentalismo religioso e o misticismo; a volta/permanência de preconceitos contra a mulher e a obrigação de oferecer à população serviços de saúde dentro dos princípios e diretrizes do SUS.

É um desafio que precisa ser enfrentado por todos e todas. É preciso ganhar a sociedade para que haja superação dessa lógica que impede o desenvolvimento humano e a justiça social.

O que fica cada dia mais claro é que o capital, o patriarcado e a morte andam juntos. Há um capital da morte fortalecido pelo fundamentalismo do patriarcado. Não será preciso buscar a morte do capital e a superação do patriarcado? A ruptura é a tarefa que se impõe!

A Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, certamente terá um papel relevante nesta luta, tanto em SC como em todo o Brasil. A nossa principal responsabilidade é dar continuidade ao magnífico trabalho desenvolvido pelas companheiras Télia e Maria Luisa e pelo Conselho Diretor da gestão anterior. Vamos encarar essa tarefa, com a ajuda de todas e todos aqui de Santa Catarina e do Brasil.

E, como canta Chico Buarque em sua música Tororó:

Dentro da fêmea Deus pôs
Lagos e grutas, canais,
Carnes e curvas e cós
Seduções e pecados infernais
Em nome dela, depois
Criou perfumes, cristais
O campo de girassóis
E as noites de paz.
(Tororó, Chico Buarque, 1988)

E, não podemos esquecer: O terceiro milênio nos pertence!!

Clair Castilhos agora também na internet

A ideia deste espaço se originou da vontade de compartilhar a minha longa experiência de militância feminista, partidária, de movimento sanitário (em defesa do SUS – Sistema Único de Saúde), das lutas pela Assistência Farmacêutica e principalmente, como membro de grupos políticos que lutaram contra a ditadura militar e do capital.

Ao me aposentar, como professora de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina aumentei o contato com o mundo virtual. Percebi que não dá para ficar à margem da tal revolução técnico-informacional-científica. Resolvi experimentar essa ferramenta poderosíssima para a informação, divulgação e troca de ideias. E, desta nova forma, continuar as lutas.

Vamos ver o que irá resultar, estou cheia de expectativa.

Espero que gostem!